Regulador da aviação obrigado a chumbar novo aeroporto no Montijo. ANAC já recusou um anteprojeto
Artigo de um Decreto-Lei indicado pelo regulador da aviação civil não deixa dúvidas: é preciso parecer positivo de todos os municípios afetados. Empresa que gere aeroportos diz que está em análise regulação específica, só para o Montijo.
Com a legislação atual e com a recusa categórica de duas câmaras municipais ambientalmente afetadas em darem o aval ao projeto, vai ser impossível à Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC) licenciar o novo aeroporto do Montijo.
Num documento enviado à Agência Portuguesa do Ambiente (APA) no fim de agosto de 2019, no âmbito do estudo de impacto ambiental, a ANAC explica que a ANA - Aeroportos de Portugal ainda "não deu cumprimento" à legislação nacional, sendo citado, nomeadamente, um artigo do Decreto-Lei de 2010 que impõe que a construção, ampliação ou modificação de um aeroporto comece através de um requerimento a apresentar junto da ANAC para que esta faça uma apreciação prévia da viabilidade.
Regulador chegou a recusar anteprojeto
Nesse mesmo documento, consultado pela TSF e com data prévia à aprovação do estudo de impacto ambiental, a ANAC explica que já comunicou à ANA que "aguarda" por esse pedido de apreciação prévia "em conformidade com o definido na legislação".
Questionada agora pela TSF, seis meses depois, a ANA confirma que contínua "a preparar o requerimento de apreciação prévia", garantindo que "a preparação deste procedimento apenas pôde prosseguir após a emissão da Declaração de Impacte Ambiental e consequente estabilização do projeto".
No documento de agosto de 2019 a ANAC acrescentava que chegou a receber, em agosto de 2018, um "masterplan" e um "anteprojeto" para o novo aeroporto que não mereceu aprovação da ANAC por falta de conformidade com outros artigos ou normativos legais.
A ANAC diz ainda que algumas soluções do anteprojeto apresentado não cumpriam parte da regulamentação europeia.
Sem ok das autarquias regulador tem de chumbar
No entanto, além das falhas anteriores, o artigo referido pela ANAC na posição enviada à APA sobre a "apreciação prévia da viabilidade" do aeroporto é muito claro, exigindo elementos que é certo que nas atuais circunstância são impossíveis de obter pela ANA.
Nomeadamente pareceres favoráveis de todas as câmaras municipais dos concelhos potencialmente afetados por razões ambientais.
O artigo não deixa margem para dúvida: é "fundamento para indeferimento liminar" a falta de parecer favorável de todas as câmaras municipais dos concelhos potencialmente afetados.
A única alternativa está num recurso, também previsto na legislação, para o membro do Governo responsável pelo setor da aviação civil, mas nesse caso o Executivo teria de contrariar, à posteriori, a decisão da ANAC.
Novo regulamento a caminho, só para o Montijo
Nos comentários que enviou à APA, respondendo aos problemas levantados pela ANAC, a ANA, empresa com a concessão do Estado para gerir os aeroportos nacionais, respondeu à falta de requerimento de apreciação prévia com a garantia de que a certificação do Montijo seguirá os requisitos legais aplicáveis.
Contudo, a ANA também diz que sendo este "um projeto de natureza e dimensão sem precedentes em Portugal" está em análise a necessidade de criar um enquadramento regulatório específico.
Falta de respostas
A TSF fez várias questões, há uma semana, à ANA e ao Ministério das Infraestruturas e da Habitação sobre o objetivo desta nova regulação em estudo e se esta irá, na prática, contornar a exigência atual de pareceres prévios positivos de todas as autarquias.
O Governo não enviou qualquer resposta e a ANA apenas respondeu que está a preparar o requerimento de apreciação prévia e que este não podia ser fechado antes da avaliação ambiental da APA.
Do lado da ANAC, o regulador da aviação civil prefere não comentar o assunto.
Seixal recusa dar parecer positivo
Pelas autarquias afetadas ambientalmente pelo projeto, Moita e Seixal têm sido os municípios que têm contestado a construção do aeroporto complementar de Lisboa no Montijo.
O presidente da Câmara do Seixal, Joaquim Santos, adianta à TSF que "não há qualquer possibilidade de darem um parecer positivo", "nunca o farão", pois o aeroporto no Montijo causa fortíssimos impactos negativos sobre as populações", sublinhando que existe uma muito melhor alternativa no Campo de Tiro de Alcochete.
O autarca recorda que nunca ninguém do Governo lhes pediu a opinião e que também os juristas do município consideram que pela atual legislação não é possível o aeroporto no Montijo ser aprovado pelo regulador.
Sobre a posição da ANA que diz que está a ser feito um novo regulamento, Joaquim Santos diz "não querer acreditar que perante uma lei que remete para um parecer positivo dos municípios, que representam as populações, isso seja afetado por qualquer manobra que limite esta capacidade que a lei e a democracia nos dão, adensando o mistério do porquê de construir um aeroporto no Montijo". A Câmara do Seixal pede assim ao Governo que esclareça aquilo que está a pensar fazer para que o aeroporto avance.
Moita também recusa parecer positivo
Na Moita o presidente também é claro a dizer que não vê qualquer hipótese de mudarem a posição que têm defendido até agora.
Rui Garcia explica à TSF que o seu concelho "é o mais afetado pelo novo aeroporto com cerca de 35 mil pessoas que serão afetadas por poluição sonora e atmosférica em circunstâncias que não são mitigáveis para níveis aceitáveis".
O autarca da Moita não consegue ver "como é que um município responsável que defenda as suas populações possa dar um parecer positivo" ao aeroporto no Montijo.
O presidente da Moita avança os argumentos do município.
Reagindo às explicações da ANA enviadas à APA, Rui Garcia admite que possa existir uma tentativa pela ANA e pelo Governo de "contornar" a atual legislação sobre o licenciamento dos aeroportos, à semelhança do que já foi feito, até agora, noutras instâncias, para avançar com um projeto que a Moita considera um erro.
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