« Responder #2794 em: Dezembro 12, 2023, 07:54:50 pm »
Está aqui o texto.
O GENERAL CEMGFA FEZ UMA PALESTRA
20/11/23
“Verba vólant
Scripta mánent
Exempla trahunt”
(Aforismo latino) 1
A secção de ciências militares da Sociedade de Geografia de Lisboa – notável e secular instituição portuguesa – levou a cabo uma palestra no âmbito da sua actividade cívica e patriótica, cujo foco são as questões (e preocupações) relacionadas com as Forças Armadas, a Defesa e Segurança nacionais.
Para o efeito e desta feita, convidou o actual General CEMGFA, Nunes da Fonseca, para fazer uma pequena “oração” que tomou o título de “Forças Armadas Portuguesas no presente”.
A grande maioria da audiência era constituída por oficiais das Forças Armadas, muitos dos quais de alta patente, profundos conhecedores da realidade das Forças Armadas, do País e do contexto internacional. Ou seja, foi quase uma conversa em família…
A palestra teve repercussão no dia seguinte, pelo menos em dois jornais diários de grande circulação.
Escusado será dizer que o General CEMGFA, não é, nem pode ser considerado uma pessoa qualquer, não só pela sua identidade, como sobretudo pela função que ocupa, e é suposto exercer.
Por isso tudo o que diz, escreve, faz ou cala, deve ter naturalmente uma relevância menos comum, do que o comum dos mortais.
O General CEMGFA representa as Forças Armadas, melhor dizendo, a Instituição Militar, e deve distribuir as suas lealdades relativamente ao Governo, que o propõe; ao PR, que o nomeia; à Constituição da República, que lhe define o âmbito e responsabilidades e, sobretudo, à Nação, pois as FA são uma instituição que faz parte do Estado mas visa a Defesa dessa mesma Nação. E assim devem as coisas ser e parecer.
A palestra foi “certinha” com todos os condimentos de uma boa comunicação de ideias; com sujeito, predicado e complemento directo (de saudosa memória) na constituição das frases e até usou slides a cores como é próprio dos peritos.
Estou certo de que a senhora Ministra e os senhores deputados da Comissão Parlamentar de Defesa, por exemplo, também ficariam muito contentes com a exposição.
E tudo o que apresentou (mas apenas o que apresentou) corresponde a factualidades.
Ou seja, tirando uma ou outra “preocupação” sobre a falta de efectivos – situação por demais grave (escandalosa, até) e já conhecida da opinião pública e publicada – todo o discurso pode ser englobado não já no politicamente correcto, mas na “neutralidade activa” que esperemos não passe a “patética”.
Ora um CEMGFA não pode ser “neutro”, sobretudo naquilo que diz respeito à Instituição Militar. Tem de ter algum sangue a correr-lhe nas veias!
Não defendemos que se entre em matérias de âmbito classificado que, aliás, são pouquíssimas – e não há nenhum adido militar entre nós que não saiba o estado paupérrimo em que estamos e os limitadíssimos recursos mobilizáveis no país – tão pouco que se entre em questões de carácter político/partidário e muito menos ideológico, vedadas a militares no activo.
Sem embargo, pode e deve entrar-se no âmbito estratégico e quanto a questões políticas elas não devem ser escamoteadas quando se trate de responsabilidades a imputar, que afectam directamente o funcionamento das Forças Armadas (FA).
Além disso tem de se considerar que os cargos de chefes de estado-maior e, por maioria de razão, o de chefe de estado-maior-general (sobretudo depois da última e infeliz, reorganização da estrutura superior das FA) são funções já da esfera político-militar.
E há muitas maneiras de dizer as coisas e descrever a gravidade de uma situação. Se disser por exemplo que a indústria nacional tem dificuldades em fornecer o fardamento necessário (um tema caro ao General Fonseca, enquanto Comandante do Exército) a vestir, calçar e equipar o efectivo – mesmo sendo diminuto – facilmente se pode extrapolar a dificuldade que haveria em fazer qualquer tipo de mobilização; ou que o nível de munições deve estar pelas ruas da amargura – até porque o país não produz uma única, seja de que calibre for. Tão pouco produz qualquer tipo de viatura, peça de artilharia, aeronave (nem entra em projectos comuns com outros países), que a capacidade de construção naval caiu a pique, etc. E assim por diante.
De onde se deduz que uma Força Aérea sem armamento e munições, é apenas um aeroclube muito caro; o Exército assemelha-se a um clube de caça onde os seus membros vão caçar javalis com fisgas e a Armada (que significa guerra) nem para prender pescadores espanhóis serve.
Mas não ocorreu ao General CEMGFA falar de qualquer problema ou ameaça existente – tirando uma vaga ideia de que os militares não deveriam sair de África (quer dizer dos conflitos armados existentes) bem como os restantes “europeus”. Mas não se atreveu a explicar porquê e para quê. 2
Ora não importa falar do que existe e faz – e não se fazendo muito, ainda se pode dizer que se faz o possível com os limitadíssimos meios existentes; e se os restantes órgãos/empresas do Estado gozassem de metade das condições a que as FA têm sido sujeitas nos últimos 30 anos já tinham encerrado todos (o que seria algo relevante a ser dito!) – e nada dizer dos problemas existentes cuja gravidade põe em causa o cumprimento da totalidade das missões das FA e contêm os germes da sua autoliquidação.
Mas sobre tudo isto o General CEMGFA aos costumes disse nada. 3
E não vale a pena esconder-se (e outros com ele) em putativas razões do foro institucional, do tipo que as questões têm que ser colocadas em sede própria (e acredito que têm sido, mas a avaliar pelos resultados devo concluir que pelo menos o não sejam com a “veemência” necessária). Até porque o destino normal dos papéis é o cesto dos ditos quando não se faz ao contrário do proposto!
*****
Naturalmente o General CEMGFA não se eximiu ao período de perguntas e respostas. Aqui a coisa piorou sem, todavia, se ter saído da elegância com que estas actividades devem decorrer. Teve mais a ver com a circunstância do “rei ir nu” faz tempo e ninguém ter a coragem de o afirmar. Confrontado com o facto (indesmentível) de que a Instituição Militar está em “modo de sobrevivência” e as Forças Armadas “presas por arames”, negou a evidência ao ponto de afirmar que se assim fosse não estaria nas funções actuais.
Ora uma coisa não implica necessariamente a outra, nem era esse o escopo da questão. Espera-se que o General CEMGFA tenha algumas ideias para melhorar a realidade e a conheça, ou não será assim?
Já nem se fala em atribuição de responsabilidades, pois já se sabe que em Portugal tal assumpção não existe!
Ora se o tema da palestra era “as FA portuguesas no presente” tem de se perceber a realidade desse presente…
Confrontado ainda com exemplos da gravidade da situação – que está longe de se restringir ao pessoal – e seria útil perceber as causas do estado comatoso e de gangrena a que se chegou, para além dos baixos salários que apesar de tudo ainda foi ventilado – ouvindo como exemplo a medíocre (e é medíocre) prontidão dos meios (já nem se fala na sua modernidade e na falta de muitos sistemas de armas), negou que tal fosse assim e desafiou a que se provasse que a prontidão não fosse boa nas unidades que estão no exterior!
Ora o que foi afirmado não tinha nada a ver com a prontidão dos meios no exterior – reduzidas a duas unidades de escalão companhia (o que é quase nada) e a quatro F-16 e, ou, uma fragata, em missões no âmbito da OTAN – mas sim à generalidade dos meios dos três Ramos que estão num estado lastimável e que se contam por unidades dos dedos das mãos!4 Mas já agora sempre quero referir que uma das primeiras companhias destacadas para a República Centro Africana, antes de embarcar foi a um supermercado, comprar uns “drones” de brinquedo para os apoiarem na missão. E não fica nada bem andar à última da hora a pedir equipamento emprestado a países “amigos” para equipar as unidades destacadas…
E tal é fruto da vergonhosa engenharia financeira e falta de vontade política (é preciso dizê-lo com as letras todas) em gerar e cumprir as Leis de Programação Militar minimamente adequadas. O que tem constituído uma safadeza notória.
Foi ainda dito que não havia reservas de guerra, mas tal foi ignorado pelo General CEMGFA. Bom, não há reservas de guerra como não há … quase nada. E há situações a partir das quais não há retorno e outras a partir das quais não vale a pena existir qualquer tipo de capacidades pois o que resta além de não servir para nada passa a ser um ónus. Isto é, uma despesa sem retorno; uma falácia. Estamos perigosamente nesse estádio e o General CEMGFA não está lá para dizer que se chegar a tal (no seu entendimento) se vai embora. Não lhe pagam para se ir embora, mas para enfrentar os problemas e tocar a rebate.
Falou-se ainda que existem (e não são poucas) situações em que para além de gravosas – como já se referiu – são também humilhantes e tal constitui dolo para a IM. E deu-se como exemplo as decisões oriundas do tempo da “troika” em que se congelaram as carreiras e se limitou drasticamente a autoridade das chefias militares ao ponto da promoção de um militar estar dependente da autorização de um quarto secretário qualquer do Ministério das Finanças. E até se fez a comparação com o decreto-lei 373, de Julho de 1973 que deu origem ao 25 de Abril de 74, afirmando-se que este era muito menos gravoso do que a situação reportada (o que é outra evidência que entra pelos olhos dentro de um cego).
Pois que não senhora, foi a resposta; e que as promoções agora até já são mais cedo do que no fim do ano; e que não queria resvalar para questões políticas…
Políticas? Isto é uma questão de decência, de autoridade de comando, de limitação do exercício de funções, além de um descrédito e de um prejuízo profissional e em espécie, para todos os militares! 5
E sobre a estranheza de não haver posições conjuntas e assumidas pelo Conselho de Chefes de Estado-Maior naquilo que fosse do interesse de todos e na defesa da IM em vez de actuação desgarrada dos diferentes chefes, nem chegámos bem a perceber a resposta tal a sua vacuidade. Mas deu para entender aquilo que já se sabe há muito: o Conselho de Chefes de Estado-Maior não serve aparentemente para nada, e se amanhã desaparecesse ninguém dava pela sua falta.
As palavras voam? Voam, mas não devem deixar de ser ditas;
Os escritos permanecem? Sim, onde estão?
O exemplo arrasta? Sempre…
É o que temos.
João José Brandão Ferreira
Oficial Piloto Aviador (Ref.)
1) Que é como quem diz: “as palavras voam, os escritos permanecem, os exemplos arrastam”.
2) Já para não falar com questões ainda mais graves relacionadas com a Justiça e disciplina militares; a cretina questão da igualdade de género e similares; o serviço de saúde militar, etc., tudo se reflectindo no Moral. O Moral da tropa, o mais importante de tudo…
3) Não obstante, referiu a páginas tantas, que “as FA têm cumprindo as suas missões com os militares existentes”. Este tipo de frases ouvem-se há um ror de anos. Ora tal é de uma grande imprudência (mas dá para ficar bem na fotografia) e pode levar – e tem levado – a que se pense que cumprindo as missões com o que têm é porque não precisam de mais meios…
E o que nunca se diz é que missões são; a fatia das mesmas que ficam por cumprir; qual o grau de sustentação para continuarem a ser cumpridas (isto é, por quanto tempo podem continuar a ser cumpridas) e que cada vez se cumpre menos pois o que é exigido é diminuído ao esforço passível de ser feito…
4) Relativamente aos F-16 é mister dizer que Portugal adquiriu 40 aeronaves, que já foram sujeitos a diversas modernizações. Foi uma importante aquisição que muito valorizou a capacidade de Defesa Aérea do País (e não só). Uma das aeronaves foi perdida posteriormente num infeliz acidente. Até que uma inqualificável decisão levou a que 12 destas aeronaves fosse vendida à Roménia o que, salvo melhor opinião, nunca devia ter ocorrido. Restam assim 27 aeronaves o que é manifestamente inferior ao desejável para equipar as duas esquadras existentes. Acresce que a falta de dinheiro disponível (acrescido da falta de pessoal) para pagar a manutenção necessária têm reduzido as aeronaves em estado de voar a níveis dramáticos. E não se vislumbra que a frota possa ser substituída nos próximos 50 anos…
5) O Exército não tem “categoria” para ocupar o Palácio Vilalva, antigo Quartel-General do Governo Militar de Lisboa, de que foi “espoliado”, mas a Provedoria de Justiça, já tem?
« Última modificação: Dezembro 12, 2023, 07:56:37 pm por Charlie Jaguar »
Registado
Saudações Aeronáuticas,
Charlie Jaguar
"(...) Que, havendo por verdade o que dizia,
DE NADA A FORTE GENTE SE TEMIA"
Luís Vaz de Camões (Os Lusíadas, Canto I - Estrofe 97)
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