O Projecto NH90 e a capacidade aeromóvel no Exército PortuguêsTenente-general
António Carlos de Sá Campos Gil
Revistas desde 2004 2555 - Dezembro de 2014
https://www.revistamilitar.pt/artigo/9884. ConclusõesAbandonar um programa, por mais ajustadas que sejam as razões invocadas, não tem somente aspectos positivos, como vimos, e julgamos que ninguém assim pensará. Contudo, quando na hora de se colherem dividendos políticos duma decisão desta natureza só se fala das vantagens, escamoteando-se os custos e prejuízos colaterais, não estaremos seguramente a prestar um bom serviço ao país.
A decisão de denunciar o contrato dos helicópteros NH90, que Portugal assinou em 2001 no âmbito de um projecto cooperativo europeu, constitui o paradigma do que afirmamos. Não se esqueça que o resultado final de todo o processo de aquisição dos helicópteros NH90 é de 5-0. Isto é, despenderam-se verbas correspondentes à aquisição de cinco aeronaves e ficámos com zero.
Para além dos custos meramente materiais importa salientar, também, aqueles que, sendo intangíveis, afectam a nossa credibilidade externa e, o que é pior, a Dignidade Nacional.
Que lições importam tirar daqui para o futuro, se queremos ir além da eterna incapacidade para projectar global e no longo prazo, envolvendo sectores mais alargados e que rompam definitivamente com os corporativismos?
Quando é que a estratégia genética para as nossas Forças Armadas deixa de ser uma mera «estratégia a metro», que se vai construindo aos «solavancos» e impulsos das sensibilidades políticas do momento e na medida da disponibilidade de recursos, que nas horas de crise escasseiam mas parece que nunca faltam para determinados sectores? É urgente uma mudança de atitude, é urgente que se acabe de vez com os sempre presentes «interesses camuflados», que tudo condicionam e «contaminam».
É certo que, nesta reflexão, outros aspectos, também eles merecendo ponderação, ficaram por abordar, se quiséssemos avaliar um quadro completo. Referimo-nos, por exemplo, aos permanentes choques de interesses corporativos internos das Forças Armadas, que muitas situações têm condicionado.
Posto isto, que futuro, perguntar-se-á?
Apesar de «extinto» o projecto NH90, apesar das muito propagandeadas poupanças que esta acção possa ter originado, a necessidade estratégica de uma capacidade aeromóvel para o nosso Exército não se extinguiu. Pelo contrário, mantém-se bem mais premente do que ontem quando se iniciou este projecto, e por muitas derrogações que se queiram fazer não a apagam de um quadro urgente de necessidades, se é que queremos ter, enquanto País soberano, umas Forças Armadas modernas e credíveis.
Contudo, a edificação desta capacidade terá que ser encarada em moldes diferentes, tendo em consideração as lições que deveremos retirar desta aventura falhada do projecto NH90.
Na nossa opinião, esta capacidade terá que ser conjunta, aliás como já foi admitido pelas chefias militares, podendo mesmo ser gerida pela FAP, por dispor do conhecimento e das necessárias estruturas de manutenção, aeronavegabilidade, etc.. Mas funcionando com aeronaves primariamente atribuídas ao Exército para as suas missões específicas e operadas por pilotos que conheçam a manobra terrestre e a vivam, logo com pilotos do Exército. As aeronaves militares, cuja configuração principal terá que ser desenhada para as missões mais exigentes de natureza militar, podem e devem ser utilizadas em outras missões de interesse público, numa perspectiva de duplo uso.
Neste contexto e numa lógica de interesse nacional, julgamos que todos os meios aéreos do Estado deveriam ser colocados sob responsabilidade primária das Forças Armadas, na FAP, actuando em prol do País e em duplo uso. Não mais deveria haver lugar a soluções EMA. Já agora, seria bom ver a conclusão da medida de extinção dessa empresa e a transferência de todos os meios que restarem para a FAP, que os iria gerir e operar com eficiência e sem prejuízos para todos nós. Será que haverá coragem?
Em suma, perante o panorama de modernização das nossas Forças Armadas, nos últimos anos, e em jeito de desabafo final, apetece dizer, como dizia Jô Soares, no seu programa «Viva o Gordo», «deixem-me aplaudir», naturalmente com a mesma ironia com que ele o fazia, já que não há nada para aplaudir, muito pelo contrário, melhor se adequaria dizer, complementando, que «tudo isto é triste, tudo isto é fado».