Portugal, mudou e muito
João Marques de Almeida
Para uma escola de comentadores do nosso país, Portugal, no essencial, pouco mudou nos últimos cem anos.
Já era pobre e atrasado na I República, assim continuou durante o Estado Novo e assim se mantém hoje. Discordo. Acho que mudou e mudou muito. Claro que podia (e devia) ser mais rico e menos atrasado. Mas o Portugal de 2010 não tem nada a ver com o Portugal de 1974. Há muitos portugueses que não se conformam com a situação do país. Mostram revolta e mesmo raiva. Não querem ser pobres nem atrasados. Basta ver televisão, ler os jornais, os ‘blogs' e o facebook, e conversar com as pessoas.
A resignação da maioria dos portugueses constituía um dos aspectos mais impressionantes da sociedade portuguesa durante o Estado Novo. Aceitavam a pobreza e o atraso como um destino. As pessoas nasciam, viviam e morriam e o tempo não mudava. O regime impedia a mudança e procurava manter tudo na mesma. Para isso, impediu a abertura à Europa e ao mundo. De "lá de fora" chegavam as mudanças assustadoras; "cá dentro" nada mudava, vivendo-se assim na mais absoluta das tranquilidades. Ou seja, aqueles que julgam que está tudo na mesma são de certo modo, e involuntariamente na maioria dos casos, produtos da cultura do Estado Novo.
Hoje, Portugal aberto ao mundo, discute-se, critica-se e ataca-se. Convém entender que a educação não se reduz às escolas e às universidades. A preparação para se ser autónomo e independente aprende-se, sobretudo, com uma vida livre. A melhor aprendizagem é nascer e viver em liberdade. E isso não acontecia no Estado Novo, por mais competentes que fossem os professores e por mais disciplinadas que fossem as escolas. É óbvio que a educação de hoje tem que melhorar, mas as comparações com a situação no Estado Novo não fazem sentido. A escolha não é entre "boas" escolas sem liberdade (aliás, por definição, não há boa educação sem liberdade) ou "más" escolas em liberdade. Nenhuma das opções serve. O objectivo deve ser boas escolas e liberdade.
Mesmo com uma educação escolar e universitária em muitos aspectos insuficiente, a maioria dos portugueses está melhor preparada do que estavam aqueles que viveram durante o Estado Novo. Por uma razão simples e poderosa: nasceram e viveram numa sociedade livre. Muitos não tiveram professores empenhados, mas têm acesso ao mundo, sem terem que pedir autorização. E se há uma razão para ainda se ter esperança no futuro de Portugal é o facto de serem cada vez mais aqueles que já nasceram em liberdade e que aprenderam a viver em liberdade.
As sociedades livres geram menos resignação, mais insatisfação e mais ambição, alguns dos ingredientes fundamentais para o desenvolvimento. Um dos grandes problemas é que tivemos até hoje poucos líderes com capacidade para mobilizar a liberdade para uma grande projecto político. Mas teremos. A mudança é inevitável. Eis o maior legado do 25 de Abril e o que distingue o Portugal de hoje do Estado Novo.
Diário Económico