Violência policial em bairro de betos (disse ninguém, nunca)
22 jan 2019 14:16
Manuel Cardoso
Restelo, 18h. Santiago sai do externato “As Descobertas” e à sua frente as suas duas colegas de turma, Loti e Nonô, trocam insultos. Santiago aproxima-se. “Mandaste um Instadirect ao Duarte, quando sabes que nós estivemos juntos na festa do Valssassina. És uma falsa!”, diz Loti. “Cala-te, suja! Tu disseste que deram só um bate-chapas e que ele disse que não estava interessado em ninguém”, responde Nonô. “Eu já ia com a família dele para a Serra Nevada! Estragaste tudo!”, Loti dá um estalo a Nonô.
Santiago já imagina o que se vai passar. Já está habituado a estas cenas de violência que tanto ocorrem em bairros da elite económica. A princípio chocava-o, mas o ser humano tem uma inusitada capacidade de se conformar com toda uma variedade de comportamentos abusivos.
“Vou chamar os meus amigos do CDUL”, diz Nonô. Envia uma mensagem de voz para o grupo “Filhos dos Que Mandam Nesta Merda Toda” no Whatsapp e passado vinte minutos, treze jovens praticantes de rugby, de 15 anos com corpo de 24, alinham-se à frente do exclusivo externato. A tensão sente-se no ar. Intimidada, Loti liga aos seus amigos da Orquestra Metropolitana, que, não sendo tão corpulentos, podem ainda assim defendê-la através do arremesso de oboés e harpas. Passa um quarto de hora e 30 jovens, divididos entre gangues betos rivais, encaram-se de forma ameaçadora. Teme-se o pior.
“Nem sabes o que te fazia se não me doesse o adutor por causa do crossfit!”, diz um indivíduo do rugby. “Espera até o meu irmão saber disto, isto é, quando voltar do mochilão de um ano e meio que está a fazer à conta dos nossos pais”, alerta um choninhas da orquestra. De repente, encostam as cabeças e “empurram-se à menina”, citando o contínuo Alfredo, que este cronista não perpetua estereótipos de género. Nisto, aparece uma viatura da PSP. Uma ramona? Um carro da Escola Segura? Não, não. Uma carrinha da Polícia Municipal. Como se sabe, costumam estar armados até aos dentes com papel e caneta.