Deixo aqui, à vossa apreciação, uma recente entrevista aquele que eu considero ser um dos mais esclarecidos portugueses do nosso tempo.
Hernâni Carvalho é um dos jornalistas portugueses mais premiados. Esteve na Bósnia, debaixo de fogo, em Timor, cuja experiência lhe valeu a escrita de um livro, e mais recentemente, esteve no Afeganistão. Arriscou várias vezes a vida, chegando por vezes a sítios onde mais nenhum jornalista conseguia chegar. Hoje participa semanalmente no programa da TVI “Você na TV”, na rúbrica CRIME DIZ ELE.
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Estando Portugal perto de completar 865 anos de existência, no próximo 5 de Outubro, pergunto-lhe o que é para si, em pleno século XXI, ser Português? É pouco mais do que esperança. É tudo quanto nos resta. Muitos calam-se, os bons partem e os mediocres continuam a governar e a decidir. Culpa de todos nós, é claro.
2-
Que análise faz às 3 Republicas Portuguesas, tendo em conta que também no próximo dia 5 de Outubro, serão as comemorações dos 98 anos da Proclamação da Republica? A primeira foi a vingança dos miseráveis. A monarquia liberal tinha muito mais representatividade, por exemplo no parlamento, que a primeira Republica teve. Veja-se, nesses dias, quem perdeu direito de voto e quantos. A própria ideia de imperio nasce por essa altura. A segunda fechou-nos e isolou-nos à modernidade e ao desenvolvimento. A terceira prometeu, prometeu, mas os homens do Maio de 68, chegados ao governo são um flop. Em toda a Europa.
3-
Para si, o que é mais importante? Celebrar a Fundação do País ou a Republica? O que é que para si deveria unir mais os Portugueses? Importante é celebrar Portugal. O que nos devia unir é a globalização. Estamos a ser despidos das tradições que nos fizeram crescer. Estamos a ser normalizados
4-
Faz sentido, hoje, em pleno século XXI, ser-se Monárquico e defender-se este ideal? Faz hoje mais do que nunca!
5-
Procurando, eu, sempre que posso, ver a sua rúbrica na TVI “Crime diz ele”, que comentário faz ao nosso sistema de Justiça? Quando ocorreu o 25 de Abril de 74, oito por cento dos portugueses sabia que aquele edifício estava podre e vivia da impossibilidade de o povo ter direito à Justiça. Hoje sabem-no provavelmente oitenta e oito por cento dos portugueses. A miséria é maior agora. A título de exemplo, por aqueles dias de 74, os juízes fascistas que presidiram a tribunais plenários onde o direito a liquidar uma pessoa era quase pleno, foram administrativamente reciclados em vinte e quatro horas. A 26 de Abril desse mesmo ano, os mesmo juízes foram reciclados administrativamente e transformados em exemplares e democratas cidadãos e de novo colocados no pedestal a decidir a vida das pessoas que pedem justiça. Temos leis a mais e eficácia quase nula.
6-
É apologista da Prisão Perpétua? Sou apologista de penas eficazes e, sem pudor, assumo que uma pena deve ser um castigo e não uma reinserção, ao contrário do que defendem os modernistas da filosofia do direito. Isso não existe nem no eden. As raras excepções não dependeram do sistema. Falar em reinserção na prisão é ser calvinista e hipócrita, mas reconheço que é politicamente mais correcto. A prisão definitiva (com execepção de alguns casos - não encontro outra pena para quem, sendo dado como imputável, viola estripa e mata pessoas em série…) parece-me um risco numa sociedade democratica.
7-
Que análise geral faz ao actual sistema político português? É um logro. Desde logo pela base. O presidente da assembleia municipal não é votado pelo povo, como se faz crer nas campanhas, mas sim pelos eleitos nessa assembleia. E esta, em si, é outro logro pois os presidentes de junta de freguesia eleitos votam a escolha do presidente da assembleia municipal. Reconheço que os presidentes de Junta devam ter direito a expressar problemas e matérias na Assembleia Municipal mas sou contra terem direito a voto. Defendo que os municipios devem ser geridos pelos vereadores eleitos na lista vencedora. Defendo os circulos uninominais no parlamento nacional
8-
Como comenta o Tratado de Lisboa? Vê nele benefícios para Portugal? Se sim, quais? Não será antes o pronunciamento do príncipio do fim de Portugal como Estado Soberano, nomeadamente relativamente à perda das águas territoriais? Um país onde o ministro das Finanças decreta o fim da crise e outro afirma haver um deserto na margem sul, não carece de apresentações. Nesse país tudo é possível. Os medíocres escolhem sempre mediocres.
9-
Faz sentido, um homem com cadastro, como Aquilino Ribeiro, no Panteão Nacional? Julgar a História é arriscado. A estátua mais alta de Lisboa é a do Marquês de Pombal… Há outras matérias mais preocupantes. Mas percebo a questão.
10-
Acredita que a Monarquia Parlamentar e Democrática poderá ser uma realidade a médio prazo? Não. Tenho pena, mas não acredito.
11-
Que opinião tem do “boom” de sites de informação monárquica que se foram formando até há bem pouco tempo? Espero para ver. É cedo. Tenho esperança de que não se transformem na defesa das capelinhas miseráveis que tenho visto ocorrer noutros registos…
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Já tinha conhecimento do PDR-Projecto Democracia Real? Que opinião tem sobre este aumento do interesse pela Monarquia em Portugal? Acredita que os Portugueses podem ver a Monarquia como uma esperança se os monárquicos conseguirem passar a mensagem? São muitas perguntas numa só. Não conheço o PDR nem acredito nesse “aumento do interesse pela Monarquia em Portugal”, que refere. Não o vislumbro nem o ouço no dia a dia das pessoas com quem falo ou das que observo. Ademais, “se os monárquicos conseguirem passar a mensagem” é um problema com noventa anos.
13-
Como analisa a situação em Timor-Lorosae? O estado Timorense não tem essa designação. Está a viver as naturais dores de crescimento. Mas sobre o neo-colonialismo australiano e os escandolosos privilégios dos funcionários da ONU em Timor, denunciei-os em 1999 e 2000 e chamaram-me incendiário.
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Considera que a CPLP pode fazer mais do que tem feito, podendo, por exemplo, criar uma “Confederação Lusofona”? No domínio das ideias é possível… mas já se provou que impraticável.
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Que Portugal deseja para o futuro? O que desejo não é o que prevejo. Desejo um país onde a Justiça não seja um sonho. Onde os pobres também tenham acesso e direito a ela. Onde ela, a Justiça, seja de facto o fiel da balança dos outros dois pilares – Parlamento e Governo. Onde o mais alto magistrado da nação não seja símbolo a prazo, como qualquer contratado a recibos verdes. Onde os homens pensem e projectem o país no real interesse da nação e não no interesse da camarilha a que pertencem. Mas repito: O que desejo, pena minha, não é o que prevejo.