OLIVENÇA NA IMPRENSA ESTRANGEIRA (1954-2001)
a) Introdução
Poucas vezes tal é referido, mas Olivença e o litígio que a rodeiam têm sido noticiados na imprensa Europeia, e mesmo dos Estados Unidos e no Brasil (para já não falar de Hong-kong).
As referências a este assunto assumem um valor histórico indiscutível. O objectivo deste trabalho é dar a conhecer três artigos sobre tal problemática, de entre vários possíveis.
A ordem é cronológica. O primeiro artigo (alemão) é de 1954. O segundo (inglês) é de 1966. O terceiro (francês) é de 2001.
São documentos, no mínimo, curiosos.
b) Olivença na imprensa Alemã (1954) (publicado em oito jornais Alemães; o texto é quase totalmente idêntico em todos eles)
O lado “oposto” de Gibraltar
(A outra “Face da Moeda” de Gibraltar)
A Espanha não tem direito
A Olivença (5 – Março – 1954)
(Jornal STUTTGARTER ZEITUNG)
Desde que Napoleão ocupou 600 Km2 ilegalmente - 20 000 portugueses querem voltar para Portugal.
As demonstrações de estudantes madrilenos em Madrid, no que respeita à devolução de Gibraltar a Espanha, são comentadas em Portugal por um ditado popular: “Quem tem telhados de vidro não atira pedras ao vizinho”. Há mais de 150 anos que “arde” na fronteira Luso-Espanhola um conflito parecido com o escândalo de Gibraltar.
Em Lisboa defende-se a opinião de que a ocupação dos 600 Km2 do território português (de Olivença) é muito mais grave do que a questão de Gibraltar, porque os britânicos receberam em paz e legalmente Gibraltar pelo Tratado de Utrecht em 1704 , através de documentos, com a ajuda da França e da Holanda.
Compreende-se perfeitamente o desejo da Espanha a propósito de reaver Gibraltar, mas a espada Espanhola também fere a carne portuguesa.
Durante 600 Anos Portuguesa
Em Lisboa diz-se que Madrid só terá direito moral a Gibraltar desde que decida acabar com a injustiça de Olivença.
Olivença foi fundada no século XIII por cavaleiros portugueses que pertenciam a uma ordem religiosa de cavalaria, e desde então pertenceu sempre a Portugal até 1801, quando então foi ocupada por espanhóis e franceses, mandados por Napoleão para forçar os portugueses a fechar os portos à Inglaterra. Depois de 1815, foi decidido no Congresso de Viena de Áustria que Portugal deveria voltar a receber Olivença juntamente com o seu território e os seus 20000 habitantes. Os espanhóis assinaram o Tratado do Congresso em 1817, e desde então já prometeram várias vezes cumpri-lo.
Todavia, ainda hoje os espanhóis lá estão (em Olivença) apesar do povo estar do lado de Portugal e não ter esquecido a língua-mãe portuguesa. Olhando para as boas relações actuais Luso-Espanholas, é totalmente incompreensível a situação. O grupo de Amigos de Olivença sabe que Salazar não poderá pôr em risco as suas relações com o Caudillo (Franco) ameaçando-o com uma guerra através dum “ultimato”, mas ninguém pode negar que a antipatia “instintiva” dos portugueses contra uma colaboração entre espanhóis e portugueses recebe constantemente mais razões para se manifestar através da presente ilegalidade nas suas fronteiras.
Nenhuns Poderes (competências, autorizações) de Madrid
Se alguém tripartir a fronteira Luso-Espanhola, Olivença ficará a norte da parte mais meridional, perto das cidades de Elvas e Badajoz. Quando em 1952 uma comissão constituída por portugueses e espanhóis se ocupou da delimitação de fronteiras nos (referidos) 50 quilómetros em que há litígio, a declaração (declarou que) não tinha poderes (competências, autorizações) oficiais para tratar do caso. Em contrapartida, vieram grupos de crianças de Olivença para Lisboa para festejarem a sua pátria e a fidelidade à mesma . Os espanhóis encontram-se numa “casa com telhados de vidro” e deviam primeiro cumprir os seus tratados e obrigações antes de reclamarem da Grã-Bretanha que esta desista dos seus tratados.
(fim)
c) Olivença na Imprensa Britânica (este texto, com várias alterações sem grande significado, foi reproduzido em quatro jornais britânicos, um de Hong-Kong, e dois Americanos)
Jornal Times
21- Outubro – 1966
PORTUGUESES QUE LUTAM PARA RECUPERAR UMA CIDADE
- A Espanha acusada de violação de direitos – do nosso correspondente – Lisboa
A imprensa portuguesa continua a dar relevo à disputa Anglo-Espanhola sobre Gibraltar. Os comentários editoriais tendem a favorecer Espanha .
Um grupo de entusiastas que se auto-intitulam “Os Amigos de Olivença”, contudo, chamam a atenção para o facto de “haver na Europa outra colónia”. Trata-se de Olivença, um enclave de 600 quilómetros quadrados projectado pela Espanha adentro exactamente abaixo da cidade fronteiriça espanhola de Badajoz.
Este, insistem eles, é “uma região portuguesa legítima, que no conflito de Reconquista Cristã da Península Luso-Castelhana os Templários Portugueses arrebataram aos Mouros em 1228, lá construindo o seu castelo original e fundando a primeira igreja de Santa Maria Madalena, levando a cabo portanto a fundação de Olivença actual” .
Subsequentemente, em 1297, ficou estabelecido por acordo entre Portugal e Espanha que Olivença deveria para sempre à coroa Portuguesa. Os portugueses traçaram as ruas e as praças da pequena cidade, construíram casas, conventos, igrejas e palácios, e fundaram quintas e aldeias nas áreas circundantes.
Tudo continuou na normalidade, e Olivença cresceu e floresceu, uma sossegada região agrícola e uma parte integrante de Portugal, até 1801. Então, dizem os Amigos de Olivença, através do seu secretário, o senhor Luís de Souza Guedes, “uma guerra traiçoeira que nos foi imposta pela Espanha e pela França, forcou-nos a assinar o injusto Tratado de Badajoz, pelo qual elas usurparam Olivença, o seu distrito, e aldeias para além do Rio Guadiana”.
Em 1814, depois da derrota dos franceses na Guerra Peninsular, as nações europeias reuniram-se em Paris, e declaram nulos e sem efeito todos os tratados concluídos antes da guerra, incluindo o que se referia a Olivença.
No Congresso de Viena (de Áustria) em 1815, os estados Europeus confirmaram uma vez mais a anulação do tratado de Badajoz, e comprometeram-se a fazer tudo o que estivesse ao seu alcance para verificar se a Espanha devolvera Olivença a Portugal. A Espanha foi uma signatária deste compromisso, mas até agora não o executou (cumpriu).
Os Amigos de Olivença acusam a Espanha de “permitir que a área caísse em ruínas” com o objectivo de apagar a História de Portugal”. Eles protestam contra o facto de as autoridades espanholas terem apagado os escudos de armas portuguesas em edifícios públicos e privados, e mesmo em pedras tumulares.
Eles revelam que as ruas e as praças estão quase impraticáveis e cheiras de buracos, e que não há adequados abastecimento de água ou um sistema de esgotos.
Uma edição referente de “Olivença”, a revista do grupo, defendeu que se a Espanha pediu correctamente às Nações Unidas que lhe devolvesse Gibraltar, “como pode ela (Espanha) recusar-nos... esta terra que só teve existência graças aos esforços, perseverância e cuidados do povo Português” .
A mesma revista também defendeu o seguinte: “É espantosamente óbvio que em Gibraltar, se o solo é espanhol, a cidade e a fortaleza são ingleses, enquanto em Olivença, ambos a cidade e o solo são portugueses, tão longe quanto os seus monumentos são típicos. A língua é a portuguesa, apesar dos esforços da escola e da polícia para transformarem tudo em castelhano” .
Efectivamente, o visitante, hoje, é confrontado com o carácter português de Olivença em todos os aspectos. Todos os antigos edifícios existentes são no estilo nacional (português), mas as ruas arruinadas e as fachadas descuidadas não mostram nada da limpeza usual e manutenção prodigalizadas pelos portugueses em qualquer cidade ou aldeia ao seu cuidado .
A igreja de Santa Maria Madalena é no puro estilo português Manuelino, e nela se encontra o túmulo de Frei Henrique Coimbra, que celebrou a primeira missa portuguesa no solo brasileiro quando ele aí desembarcou com o seu descobridor, Pedro Álvares Cabral.
A fala de 20000 habitantes na área é basicamente portuguesa. A geração mais velha usa uma linguagem próxima do dialecto do vizinho Alentejo, província de Portugal do outro da fronteira.
Ela encontra-se, todavia, entremeada com palavras espanholas. Mesmo aqueles da geração mais nova que falam espanhol usam uma entoação portuguesa, e a sua fala está cheira de palavras e frases portuguesas.
O governo português não parece inclinado no momento presente de relações próximas Luso-Espanholas a apressar o seu “caso” (litígio) a fim da retrocessão de Olivença. Só os Amigos de Olivença continuam a lutar valentemente .
d) Olivença na imprensa francesa (texto, na “Internet”, do Jornal “Courrier International”, de 29 de Novembro de 2001)
Portugal:
É preciso saber acabar uma guerra napoleónica
Há dois séculos, Portugal pediu à Espanha a restituição da pequena cidade fronteiriça de Olivença. As últimas vítimas deste conflito esquecido ? Uma ponte e algumas irmãs de caridade.
Era uma vez uma cidadezinha nos confins de Portugal e Espanha. Situada ao sul de Badajoz, em plena Estremadura, a Olivença espanhola teria sonhado com um destino tão tranquilo como as oliveiras que a cercam. Isso seria esquecer a História, três guerras pelo menos e outros tantos tratados entre os dois países. Pois Olivença, de Espanha só tem o “z”, proclamam os portugueses. Para Lisboa, a cidade 25000 almas escreve-se com um “ç”! À portuguesa! Não se põe a hipótese de reconhecer a soberania da Espanha sobre os 740 km2 , da cidade e da sua região. A história deste conflito fronteiriço sempre vivo remonta a 1297. O diário português “Diário de Notícias” dedica-se a contar os episódios aos seus leitores, por ocasião do bicentenário da anexação da cidade.
Em 1297, então, nos termos do Tratado de Alcañices, as fronteiras entre os dois países foram traçadas duma vez por todas... salvo para Olivença. O acordo dava claramente a cidade a Portugal. Mas os espanhóis sempre consideram esta atribuição como uma anexação. Segundo eles, a cidade teria sido concedida sob a pressão regente de Castela na época, Maria de Molina .
A Espanha nunca devolveu a cidade e a sua região
Já complicada, a história de Olivença iria cruzar-se com a das Guerras Napoleónicas. Em 1801, a Espanha ocupa Olivença numa campanha relâmpago denominada “Guerra das laranjas”. Em 1804, o Tratado de Badajoz reconhecia a soberania espanhola. Mas em 1808, o rei de Portugal, João VI, denuncia o dito Tratado. Por uma razão bem simples: a França e a Espanha, tornada “Napoleónica”, começaram um ano antes o desmembramento em partes iguais de Portugal. Seria preciso esperar a queda do Império (Napoleónico e o Tratado de Viena de 1815 para que João VI recuperasse o seu trono e que fossem reconhecidos, em teoria, os direitos portugueses sobre Olivença. Depois, mais nada.
A Espanha nunca devolveu a cidade e a sua região, argumentando que o Tratado de Badajoz ainda se aplicava. Portugal, impotente, continua a reclamar o pequeno enclave, com base no Tratado de Viena. Para garantir a sua conquista, contra o “Diário de Notícias”, a Espanha não foi avara em usar a coacção em 1840, Madrid proibiu o uso do português “sob pena de prisão” e todos os sacerdotes da região foram substituídos por bons padres espanhóis. Mais ainda, a pequena região foi judiciosamente (manhosamente) enredada num distrito administrativo duas vezes maior que ela.
A resistência portuguesa, ao longo dos dois séculos decorridos, tomou diversas formas. A ocupação (invasão) primeiramente e por duas vezes: em 1811 e em 1981. A primeira foi militar, a segunda “pacifica” e organizada pelo dirigente social-democrata, conotado com a direita, Pinheiro de Azevedo. Madrid respondeu enviando para o local um esquadrão de Guardas Civis. Enfim, o protesto oficial, em 1809, 1817, 1903, 1952, e mesmo em 1994. Neste último ano, o “Primeiro Ministro Português”, Durão Barroso impedia definitivamente a reconstrução da Ponte de Olivença, entre as duas margens do Rio fronteiriço, o Guadiana, para evitar um reconhecimento tácito da anexação .
Generosas freiras substituídas por funcionárias da segurança...
O último episódio data de algumas semanas. Há cento e quinze anos, as freiras de São Vicente de Paula de Olivença ocupavam-se de obras sociais. Com o decorrer dos anos, as freiras tinham obtido uma espécie de concessão de serviço público que lhes permitia administrar os serviços locais de segurança social. Ora, estas freiras estavam ligadas desde sempre a uma federação de congregações portuguesas denominada União das Misericórdias. Estes laços seculares foram formalmente rompidos no dia 11 de julho de 2001 e as generosas freiras substituídas por funcionários da Segurança Social Espanhola. Sem outra forma de processo.
Para os portugueses, os dados estão lançados. É verdade que há alguns quilómetros de fronteira a tracejado nos mapas portugueses, para que se não esqueça. Há também esta saudade tão portuguesa pelas “raparigas (mulheres) de Olivença”, que são simultaneamente “filhas de Espanha e netas de Portugal”. E um pouco de ironia provocante, ao fim e ao cabo, quando o Diário de Notícias”, para dar uma ideia da extensão destas terras perdidas, especifica que elas são “150 vezes maiores que Gibraltar”, esse outro enclave, Britânico neste caso, reivindicado há lustros por Madrid.
Courrier International, versão da Internet 29-11-2001
e) Epílogo
Aqui temos, pois, um “passeio histórico” pela “questão de Olivença”, observado não por Portugal ou Espanha, mas pelos jornais (e jornalistas) da Europa, que tiveram algum eco no continente Americano e, curiosamente, na Ásia (Hong-Kong)
Espera-se, com a divulgação destes textos, contribuir para o conhecimento da história nas suas várias perspectivas, no que à raia Alentejana-Extremenha diz respeito!
Seguem-se os documentos.
Estremoz, 16 de Janeiro de 2002
Carlos Eduardo da Cruz Luna